Faltam vagas ou falta gente?



É um assunto contraditório. Melhor dito, vergonhoso. Por que vergonhoso? Pela maneira como é tratado, seja através da mídia, seja nas empresas e entre os desempregados. É vergonhoso porque o que falta é ética. A culpa é sempre atribuída ao subalterno, que não se prepara, estuda, se esforça o suficiente.

Trabalho há 55 anos, pois comecei aos doze. Nos últimos doze anos fui gerente de uma vidraria, um Buffet e uma revista especializada. Todas, empresas de médio porte. O Buffet tinha mais de cem funcionários somente na sua cozinha, nutricionistas, gastrônomos, chefes, trinta garçons, oito promotores e mais vinte funcionários em outras funções. A vidraria, cerca de trezentos. A revista especializada, cerca de trinta, e um quadro de notáveis jornalistas e editores.

Foram empresas de segmentos bem diferentes, mas a conversa sobre vagas e gente era a mesma: repetiam o que se dizia na mídia, os mesmos chavões. No entanto, eu não encontrei nenhuma dificuldade para contratar funcionários. O que de fato encontrei foi uma inexistência de planos de descrição de funções e de cargos e salários. As empresas, raríssimas exceções, fazem uma análise técnica, profissional e psico social das funções e das pessoas que ocupam os cargos. Na verdade, não sabem quase nada sobre seus funcionários, suas funções, sua responsabilidades, seus requisitos. As contratações são feitas a partir de entrevistas mal formuladas e mal conduzidas e o candidato é escolhido em função da simpatia e da confiança que inspira ao contratante.

Afirmei raríssima e esclareço que trabalhei para grandes empresas, detentoras de grandes marcas e apenas uma, uma única empresa utilizava métodos e procedimentos de avaliação profissionais decentes, a Moore.

A Editora Abril, a Owen Illinois, a Interprint e a Philco, entre outras, tinham burocracias, arremedos, improvisos. Na Philco fui contratado como gerente porque a minha análise caligráfica foi favorável e a gerente de RH simpatizou comigo. Nas demais fases nenhum diretor formulou uma questão importante, algo que informasse que tipo de profissional eu era. Na Editora Abril, o gerente de RH me orientou a disfarçar meu conhecimento, pois seria entrevistado por diversos diretores e eles poderiam se sentir inseguros e ameaçados, o que dificultaria a minha aprovação.

As entrevistas são uma piada. Você é candidato a um cargo especializado, que requer bom nível cultural e uma personalidade determinante, criativa e vivaz, mas é entrevistado por mocinhas educadas e bonitas, incapazes de formular perguntas pertinentes ao cargo e função para a qual poderá ser qualificado. Quando passa para a fase seguinte, o tom da entrevista é o da desconfiança. Tem-se a impressão de que os entrevistadores consideram os candidatos mentirosos, malandros e culpados. Quando você entrou nesta empresa? Em que mês saiu da outra? Você não especificou a data exata! Por que não mencionou? Quando foi? Por que você saiu? Qual foi o motivo que mudou daquela para esta? E desta pra outra? Parece inquérito policial.

Depois deste primeiro funil, imbecil, que não seleciona nada, o candidato é encaminhado àquele que poderá vir a ser seu chefe imediato. Nesta fase, cada cabeça é uma sentença, pois a sua qualificação depende da qualificação do entrevistador. Minha experiência mostrou que raros fizeram perguntas para conhecer e aferir competências profissionais. A preocupação da maioria é era a de tentar descobrir se você é um cara que se moldará ao estilo dele, principalmente se será obediente. Na vidraria, por exemplo, um dos donos contratou um gerente porque ele era humilde.

Nos níveis de baixo, o de ajudantes, auxiliares, operadores, é ainda pior. Há selecionadores que sequer olham no rosto do candidato. Pedem a carteira profissional e a folheiam. Se não gostam, devolvem o documento com uma desculpa esfarrapada. Alguns sequer explicam coisa alguma, apenas devolvem a carteira e chamam o próximo candidato.

É de conhecimento geral que parte dos empregos é informal.  Nos formais, nem sempre se registra a função corretamente. Há os que pagam parte do salário por fora, etc. Enfim, os empregadores, com o auxilio dos profissionais de RH, utilizam-se de uma porção de truques para enganar os empregados e não cumprir obrigações legais.  Há até um consenso entre o RH e seus advogados: “Não cumpra todas as obrigações, não recolha, não pague. Se o empregado recorrer à justiça, faça um acordo”.

Além do que já expus, os responsáveis pelas contratações, nos diversos níveis, evitam esclarecer as circunstâncias e as condições de trabalho. Quanto menos falarem, melhor. Não querem comprometimentos, ter que honrar a promessa feita, a palavra dada. Preferem a estratégia de: “você na sua e eu na minha”. Faz três anos, fiquei apenas duas semanas numa empresa. Preferi sair. Ao apresentar um novo funcionário, que era uma pessoa educada e respeitável, os funcionários da empresa o cumprimentaram sem olhar no seu rosto. Procurei conhecer cada um deles e o dono da empresa e concluí que para a empresa funcionar teria trocar o quadro todo e também o dono. A cultura da empresa a inviabilizava, a mantinha abaixo do ponto do equilíbrio, praticamente moribunda.

Nosso problema é cultural. A cultura de gestão das empresas brasileiras é a de quem pode mais chora menos. Cultura da Casa Grande, escravagista, misturada à da esperteza e da malandragem. Por fora, bela viola: releases requintados, logos bonitos, entrevistas glamourosas. Por dentro, falta de cultura técnica e de ética. Os números do PROCON são sintomáticos e afirmativos da falta de ética, de vergonha na cara!        

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