O que mais tenho ouvido nos últimos tempos é a constante reclamação dos empresários a respeito da falta de mão de obra especializada e de gente compromissada com os objetivos da empresa. Essa carência para suprir vagas foi apelidada de “apagão profissional”. De quem é a culpa? 
 
Na realidade a culpa dessa situação pode ser dividida entre o governo e as empresas, pois nos últimos anos não investiram dinheiro suficiente para preparar o futuro. No Brasil é sempre assim: esperamos a casa pegar fogo e somente depois pensar nos processos de segurança. 
 
O governo que deveria se empenhar em criar planos estruturais ficou debruçado em cima de projetos sociais, visando o populismo com expectativa de retorno eleitoral. No mais foram ações paliativas, sem grande contribuição. O processo educacional também é um fator negativo nessa equação uma vez que não acompanha a evolução tecnológica muito menos a de mercado. Temos cursos médios profissionalizantes em número ínfimo diante das necessidades, normalmente centrados nas grandes capitais. Quanto ao ensino superior, este sim tem proliferado de forma agressiva, todavia com que qualidade? Nenhuma! As faculdades mais parecem lojas vendendo produto em liquidação, não existe preocupação com a qualidade. O aluno por sua vez ingressa nessas faculdades trazendo em seu bojo um péssimo preparo, aceitam essa condição unicamente visando um diploma, uma vez formados sentem-se impotentes perante a realidade do dia a dia e acabam sendo obrigados, caso queiram evoluir, a fazer cursos de extensão. Muito embora estejamos entre as 10 maiores economias do mundo, quando se analisa a qualidade de ensino o Brasil sempre figura entre os últimos colocados. Os governos que se sucederam, repito, foram sem exceção populista. Massificou-se assim a educação em detrimento a qualidade. O mercado é ágil, e por essa característica montar um quadro que possa atender a demanda de crescimento econômico requer anos de formação, porem, as empresas necessitam agora, por isso surgiu essa onda de “importar” mão de obra estrangeira. 
 
Quanto às empresas, estas ainda não olharam para o seu departamento de recursos humanos, pelo menos não no Brasil, como sendo uma ferramenta estratégica. As pessoas não qualificadas acabam dirigindo as ações de recursos humanos dentro das empresas, e o fazem de modo empírico uma vez que acaba sendo um processo de tentativa e acerto. Já foi pior. O profissional de recursos humanos de modo geral tem uma vida insipida; foram reduzidos a meros agentes de contratação e demissão que cuidam unicamente de calcular benefícios e atentos a legislação. Caberia ao RH e a ninguém mais a incumbência das avalições constantes da sua força humana, dentro das empresas. A maioria dos dirigentes não vê isso, seja por incompetência seja por comodismo, ainda são indecentes ao afirmar: nosso maior patrimônio são as pessoas. É só da boca pra fora; pura falácia! Tanto é verdade que a maioria das empresas culpa o mercado pela falta de mão de obra adequada. Eles ficam meses a fio procurando este ou aquele funcionário. E nunca analisam sua própria historia como, por exemplo, o ritmo de demissões efetuadas. Se avaliassem isso veriam que existe um forte indicativo de que a filosofia de reter “talentos” não está funcionando como deveria e mesmo assim o profissional de RH nunca é consultado. 
 
O mercado profissional funciona como qualquer outro, cuja lei maior é a oferta e procura. As empresas não abrem mão da qualidade, competência e qualificação e não menos importante o comprometimento. Em contrapartida não oferecem nada. As propostas em si poderiam ser consideradas indecentes uma vez comparadas com as exigências. Para ilustrar esse raciocínio coloco, abaixo, um exemplo de anúncio de emprego muito comum:Procura-se gerente para a área “X”.
O profissional será responsável por gerenciar o processo “Y” reportando-se ao Diretor “tal” com vistas a integrar a logística, a produção e o marketing com a finalidade de gerar relatórios gerenciais e estratégicos dentro do Budget.
Ter disponibilidade de tempo, inclusive para viagens dentro e fora do território nacional. Perfil necessário: Formado em “X”. Pós-graduação ou MBA em “Y” com curso de extensão em “Z” serão apreciados. Imprescindível ter, Inglês e espanhol fluente. Experiência comprovada de no mínimo quatro anos. Benefícios compatíveis com o mercado e salario a combinar.
 
Analisando esse anúncio veremos que é um verdadeiro “estupro” a começar pelo tal “salário a combinar”. O que significa isso? Significa que no processo de seleção a estratégia será encontrar algum ponto fraco no candidato de modo a diminuir o salário oferecido. Quanto à disponibilidade de tempo, pode-se entender que o contratado irá trabalhar feito um “louco”, perder várias noites de sono, fins de semana e viajar muito. Quando as empresas pedem muitos anos de experiência, significa dizer que elas não têm intenção alguma de gastar com treinamentos adicionais. Referente ao trabalho em si, ele pode ter certeza que será o próximo “culpado de plantão” o sucesso ou fracasso dos planos e estratégias recairá sobre ele, nunca os louvores, mas sim toda culpa. Isso tudo, por um salario miserável acompanhado de benefícios esdrúxulos, quando existem. Tem empresário, e não são poucos, que acredita estar fazendo um grande bem ao país e a sociedade, somente pelo fato de estar ofertando emprego.
 
Eu particularmente acredito que na realidade ouve sim um grande “apagão de treinamento”. As empresas em sua grande maioria passaram a não mais treinar seus funcionários, os motivos são vários, mas destaco como de maior importância a “pecha” que se criou, cuja máxima é: gasto dinheiro para treinar meu funcionário e depois ele vai embora. Por que ele vai embora? 
 
Por que você larga uma “coisa”? Acredito que largamos o que quer que seja na medida em que essa “coisa” não nos proporciona o que dela esperamos. Isso é obvio! Porém os empresários não veem assim. Afinal eles acreditam que dão as mesmas condições de seus pares de mercado. Pronto! Está criado, dessa forma, o ciclo do apagão. Some-se a isso o alto nível de exigências e teremos o caos estabelecido. 
 
As empresas tem uma visão distorcida de valor. Elas quando compram ativos (máquinas, tecnologia, estrutura...) dão valor a qualidade, porém quando contratam pessoas olham exclusivamente o preço. Esquecem que os ativos não operam sozinhos, a diferença entre sucesso e fracasso passa necessariamente pelo fator humano. A visão desses empresários é ambígua uma vez que tratam seu potencial humano da mesma maneira que lidam com as máquinas. Acreditam, eles, que substituir pessoas se tornou uma tarefa simples; haja vistas que o mercado atual tem abundância de oferta. Esquecem que o tempo entre uma substituição e a acomodação é grande e com isso perdem competividade. Mais fácil seria, manter, equipar e treinar sua mão de obra a fim de edificar não somente a estrutura bem como criar valor permanente, base da história e dos valores de qualquer empresa. 
 
Comprometimento?
 
Se fosse possível analisar o quadro funcional da maioria das empresas, veríamos com facilidade que a questão da falta de compromisso se da principalmente entre os mais jovens. Estes ainda não adquiriram premissas de objetivo e determinação, o que é perfeitamente normal, porque são fruto de um mundo “que gira muito rápido” e por isso tem pressa de alcançar objetivos, tais como fama, posição e dinheiro. Os empresários em seus discursos muitas vezes vazios de propósitos aglutinam uma série de palavras bem orquestradas que acabam assim por dizer tendo algum efeito sonoro em ouvidos ainda pouco treinados. Presenciei muitos desses discursos, e quando no final eu conseguia interpelar as pessoas sobre o que haviam entendido, invariavelmente, salvo um pequeno grupo, se sentiam desassociados do sentido e importância do que tinham acabado de ouvir. Todo discurso que não vier acompanhado de objetivos reais, tais como: plano de metas, objetivos, estratégias, etc., no fundo não passa de um sarau empresarial.  

As pessoas, de modo geral, somente se comprometem com aquilo que acreditam; quando lhes é pedido qualquer coisa da qual ela não consegue identificar a importância automaticamente seu empenho muda. Você pode notar essa lógica em sua própria vida. Pergunte-se sobre as vezes que se comprometeu com isso ou aquilo. Essa é a primeira parte do problema a segunda está em atribuir valor ao esforço, ou seja, me comprometo em prol do que? Não se trata de uma visão gananciosa, mas sim de se determinar qual é o resultado prático desse esforço, ou seja, deve existir uma filosofia de meritocracia. As pessoas quando trabalham em equipe precisam conhecer os passos adiante. Isso é feito dentro das empresas? Se a resposta for não, então dificilmente teremos pessoas comprometidas. 

Acredito que boa parte dos empresários carece de refinamento, muitos não tem o aprimoramento que é exigido dos novos contratados, às vezes por pura falta de tempo, outras por preguiça e em alguns casos por não ver a necessidade. Já participei de reuniões entre gerentes onde os mais jovens faziam suas apresentações dentro dos mais bonitos recursos tecnológicos que enchiam os olhos de todos, e numa dessas reuniões um velho gerente se colocou em posição de embate com tudo que ouvia. Ao final da reunião, na intimidade de uns poucos, eu ouvi de seus pares e do próprio diretor presidente, acusações taxando-o de “entrave pré-histórico”. Não tardou poucos dias e o tal pré-histórico foi demitido. Quase de imediato, conseguiram contratar um desses “talentos” forrado de diplomas. Com menos de seis meses a empresa havia perdido mais de 30% do faturamento. Resumindo, tiveram que trazer o pré-histórico de volta. Onde estava o erro? Estava na má interpretação da cultura do mercado. Portanto, o tal “pré-histórico” sabia fazer essa leitura adaptando sempre suas estratégias de ação na interpretação correta dos desejos e necessidades (essência do marketing) e com isso os resultados apareciam. O que isso nos mostra que as empresas podem se aparelhar o quanto quiserem, porém ainda trabalham para pessoas e essa é a razão de ser de qualquer empresa. Entender pessoas ainda é e será sempre a grande sacada, e isso somente o tempo e muita experiência pode trazer.
 

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