Se acreditamos em algo, por princípio, e agimos em desacordo com o que a nossa consciência recomenda, há um colapso de identidade, pois nos traímos. É assim que a sociedade está se sentindo: traída, suja, enxovalhada. Deveríamos reagir, mas não estamos. Apenas criticamos. Repetimos a mídia em coro sem sair do nosso conforto. Tememos as mudanças. Para mudar é preciso quebrar os cristais da conveniência, as taças da omissão, os cálices do orgulho, as travessas de medos e uma porção de outras peças.

Liberdade, igualdade, fraternidade! Estes princípios estão dormindo. Foram exortados em 1789, iluminaram a independência dos EUA, os lideres da nossa Inconfidência e, de alguma forma, aos tropeços, nos trouxe a república, um regime de cidadãos. Do inicio do século até os anos cinquenta, os moradores de São Paulo ainda se tratavam por cidadãos. “Hei cidadão, por favor, como chego à Praça Carlos Gomes?”.

Antes das repúblicas, éramos súditos. Não progredimos imediatamente, as condições não melhoram de uma hora pra outra, mas tratar e ser tratado por cidadão era uma afirmação de consciência, as pessoas sabiam como tínhamos chegado até ali e quais os motivos.

Não todas, claro, mas uma boa parte delas discutia política nos botecos do centro da cidade e nas vendas dos arrabaldes.

Nos anos 60 passamos a nos tratar de o “cara”, o “meu”, ô “etc”. As cinzas encobriram as brasas. Três décadas depois, em 1989, numa reunião de diretoria de uma multinacional, três diretores (não cito o nome para não constrangê-los), todos com diploma de nível superior, me perguntaram o que estava sendo comemorado, por que tanto estardalhaço? Não faziam a menor ideia de que comemorávamos o aniversário de 200 anos da Revolução Francesa, relembrávamos as lutas e os ideais de um momento consagrado à liberdade, um ideal que iluminara o mundo.

Sei que apesar de não cultivarmos mais aqueles ideais, de vivermos o aqui e agora, o meu em primeiro lugar. Apesar disto e de não mais nos tratarmos por “cidadão”, vivemos melhor que antes. Não sou tolo de achar que antes fosse melhor. Não era, não foi! De alguma forma, inconscientemente, nós caminhamos, progredimos em todos os sentidos. Há algo em nós. Estamos nos sentindo envergonhados. Se assoprarmos um pouco mais, uma chama sairá debaixo das cinzas do individualismo.

Estamos indignados porque realizamos pouco. Caiu a ficha! Progredimos menos do que sonhamos alcançar. Esta a razão da nossa crise! Os mais velhos dizem que pioramos, mas eles não comparam os fatos de ontem com os de hoje, mas com aquilo que sonharam. Os ideais, os sonhos de uma geração, principalmente os da juventude, nos marcam tão fortemente que acabamos achando que eles existiram. Esquecemo-nos de que apenas uma pequena parte dos nossos sonhos se converte em realidade.
Mudaram os tratamentos, mudou a gíria, mudaram os meios de comunicação, não mudou a índole humana! Quebraremos os cristais novamente. Construiremos uma nova ordem. E melhor que esta. É só questão de tempo!

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