Não somos tigres, que se isolam. Somos seres sociais como a maioria dos pássaros, os lobos e os porcos. O que nos distingue dos animais não é a visão, a águia vê mais e melhor. Não é a força, não competimos com o tigre nem com o urso. Não é a coesão do grupo, o lobo é mais família. Não é a velocidade, nem a fidelidade nem quaisquer outros atributos animais. Somos distinguidos por nossa inteligência e espiritualidade.
A inteligência e a espiritualidade humana criaram a civilização. A civilização atravessou a fase tribal, formou reinos diversos, inventou parlamentos, desenvolveu a democracia e fundou republicas. Ou seja, desenvolveu e aperfeiçoou modelos de governos e de administração, mas onde nos encontramos? Quem admiramos? Kadafi ou Obama? A primeira ministra Merkel da Alemanha ou ao Dalai Lama, o Monge do Tibet?

Distinguir entre o Kadafi, que é uma mistura de ditador e chefe tribal, e o Obama, que preside um país estabelecido por parlamentos e leis, são fácil. Não acontece o mesmo com a Merkel e o Monge do Tibet. O monge encanta plateias mundo afora, pois fala de liberdade de consciência, de fraternidade, respeito à natureza e ao meio ambiente, critica a opressão chinesa contra o seu povo. É manso, é aplaudido.
A Merkel é notada porque a Alemanha é forte e ela, uma mulher firme, representa seu país com a altivez e a seriedade que se espera de um dirigente do maior país da Europa, mas a maioria das pessoas que eu conheço, admira mais o monge. Se tivessem a oportunidade de estarem com ele, lhe beijariam a mão como o fez Caetano Veloso quando o Dalai Lama visitou o Brasil. E você?
Vamos refletir um pouco. Que tipo de líder é o monge? Como os monges administram? Que tipo de líder é a ministra Merkel? Como os ministros alemães administram?
O monge se considera a décima sétima reencarnação do Buda e em função desta crença é considerado o líder supremo do trono do Tibete, que equivale ao de um rei. Seu posto é mais do que vitalício, pois quando um rei morre, é sucedido por seu filho, irmão ou sobrinho. Quando o Dalai Lama morrer, os monges escolherão outra criança na qual ele reencarnará e desta forma os monges se perpetuarão no poder. O Tibet, sob a administração dos monges, apresentou os piores índices de mortalidade infantil, a maior parte da população não aprendeu hábitos simples de higiene como o de lavar as mãos.
A ministra Merkel foi escolhida pelos votos do parlamento e será substituída por outra pessoa quando a população retirar seu apoio, que poderá ser a qualquer momento, pois ela não tem súditos. Como cidadã, tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações de todos os alemães. Sob sua administração a Alemanha vem mantendo a cidadania e fortalecendo a união europeia.
E agora, quem é digno de admiração?
Para mim, Merkel, é claro. E a Alemanha, que escolheu esta mulher como líder. Como então se explica o encantamento e a admiração pelo monge? Acho que é porque não somos racionais o suficiente para pesar os valores que estão diante de nós, julgamos e formamos opinião com a emoção. Contra nós pesam as emoções de nossa cultura, nossas tradições. O modelo republicano é novo, ainda não aprofundou suas raízes, não deu os frutos necessários.

Há pouco mais de cem anos cultivávamos valores monárquicos, beijávamos as mãos dos padres, escravizávamos o negro, fazíamos uma guerra a cada vinte anos. Vivemos enfim uma porção de séculos condicionados por culturas que celebravam a guerra encantados pelos contos de cavalaria, instituíram a servidão, a subserviência e a resignação aos inferiores. Uma literatura que exaltou príncipes e valores principescos e ao invés de lutar pela igualdade de direitos e deveres, a maioria preferiu invejar o príncipe, acalentar sonhos de poder. Há vinte anos fomos ingenuamente capazes de fazer um plebiscito para escolhermos entre a república e a monarquia. Na Espanha, o ditador assassino fez seu sucessor, o atual rei.
Para mim, e difícil encarar isto. Estamos no terceiro milênio e um monge monarca, por usar de voz macia, encanta mais que um primeiro ministro de uma república parlamentarista. Infelizmente esta cultura se reflete em todas as instituições, inclusive nas empresas.
Empresas dirigidas por famílias seguem o modelo monárquico. O dono da empresa se assemelha a um reizinho, decide o que quiser, contrata e dispensa quem ele quiser, como e quando quiser. Esta condição, a de ser dono, é uma circunstância na qual viceja a lei do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Salvo raras exceções, a relação profissional é baseada mais na confiança e menos no perfil profissional. As empresas limitadas não precisam publicar seus balanços, nem dar satisfação de suas decisões a ninguém. Basta recolherem os impostos devidos e cumprirem suas obrigações trabalhistas. Dizemos que este modelo é o modelo da liberdade, da livre iniciativa. Liberdade de quem?

Empresas de capital aberto se aproximam do modelo republicano, são dirigidas por conselhos. Os acionistas elegem um conselho, o qual escolhe uma diretoria que escolhe seus gerentes e demais funcionários. Pelas leis, são obrigadas a publicar seus balanços e dar satisfação aos acionistas. As reuniões dos conselhos seguem regras, são registradas em atas. Os diretores e gerentes têm descrições de cargos e funções, cada qual sabe onde suas responsabilidades começam e terminam. Os acionistas que não votam têm prioridade na distribuição dos lucros e outras vantagens de minoria. Não confiamos neste modelo, poucos são os compradores ações.

No Brasil, a maioria das empresas é dirigida por famílias. Muitas das grandes empresas são sociedades anônimas, mas distorcidas, pois são fechadas, são os familiares que detém a maioria das ações, que mandam e desmandam, agem como se fossem donos de limitadas. Nos EUA, a maioria das grandes empresas é de capital aberto.

Acho que esta diferença tem raiz cultural. Em nós brasileiros pulsa mais a cultura do coronelismo, que é fechada, de quem só acredita em si mesmo. Nos EUA pulsa mais a cultura da república, da coesão social, onde os homens ambiciosos se reúnem para empreender. Em função disto, a maioria das grandes empresas americanas acabou controlada por fundos de pensões, que é uma forma eficaz da população participar da condução das empresas e da renda. Nós temos o PREVI, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, e mais alguns, mas controlados pelo governo.
Tanto lá quanto cá, a concentração de capitais ainda é grande, há uma aristocracia do capital ou dos grandes barões, que promoveu as crises que desembocaram nas duas grandes guerras mundiais e promove crises periódicas e que ameaçam a paz relativa em que vivemos. Olha o que vivemos hoje. A Grécia gastou mais do que podia, culpa-se a Grécia por isto. Ninguém esclarece que a Grécia compra caro vende barato, pois produz produtos com menos tecnologia e menor valor agregado e por isto recebe salários menores que os da Alemanha, França e Inglaterra, e que ela ficou refém dos juros administrados pelos grandes barões da Europa.

Não é a toa que o mundo em crise compra títulos americanos com juro zero. O país produz muito e tem enorme capacidade de gerar produtos de alta qualidade. Mas é uma confiança que vai além. Apesar dos EUA serem acusados de imperialistas, a diferença de renda lá é bem menor que a nossa e as relações no trabalho são mais respeitosas que a dos outros países e por isto atrai milhões de imigrantes todos os anos. Em 1965, quando trabalhei numa fábrica que não tinha pessoas para fazer limpeza e para fazê-la os americanos já utilizavam uma escala que incluía todos os funcionários, inclusive os supervisores e o gerente. Todos limpavam a privada no dia escalado e isto era natural para eles. Os chefes se dirigiam aos funcionários com a obrigatória gentileza do “Por favor” e ninguém era forçado a fazer qualquer serviço, qualquer tarefa para a qual não tivesse sido previamente contratado. Os lideres sindicais entravam e saiam da empresa tranquilamente, tinham este direito e o exerciam normalmente. Os patrões não chamavam a polícia, os operários não protestavam fechando a avenida e prejudicando a vida de outros cidadãos. Os EUA têm uma porção de outros defeitos, mas poucos países chegaram a este ponto.

Aqui no Brasil e nos países latinos, ainda somos inclinados a beijar a mão do Dalai Lama, puxamos o saco dos chefes falando mal deles pelas costas, fazemos o impossível para cumprir qualquer tarefa, inclusive aquelas para as quais não fomos contratados. Queremos liberdade e respeito, mas agimos com medo de perder o emprego, queimamos pneus nas ruas. Queremos igualdade de direitos e obrigações, mas, na prática, almejamos os mesmos privilégios que o nosso patrão tem. A prova disto é que os empregados que viram patrões se tornam iguais, agem da mesma forma.

Nossa maneira de dirigir, mandar e obedecer segue nossa cultura, nossa maneira de sentir, pensar e agir. Em função disto, nossos guias e conselheiros, consultores e jornalistas, quando nos orientam sobre gestão, comando e liderança, cometem os mesmos deslizes, pois também estão condicionados. Não acredite neles! Também estão cerceados pelas mesmas circunstâncias, não ousam romper o circulo vicioso, pois há um preço a ser pago e que não estão dispostos pagar. E assim, até que um novo Sol aqueça nosso rincão e ilumine nossa inteligência e nossa espiritualidade, viveremos a farsa de falarmos maravilhas sobre administração participativa, respeito, chefia e liderança e agiremos como lobos na alcateia.

Num galinheiro, quem reina é o galo. Se vier outro, eles brigam para decidir quem prevalecerá. As galinhas também brigam e estabelecem uma hierarquia entre elas. Há uma que bica todas, a seguinte que não bica a primeira e bica as outras e assim por diante. O mesmo comportamento ocorre, com pequenas variações, entre lobos, porcos e a maioria dos animais.

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