Este ponto de vista nasceu de um encontro entre velhos, amigos, consultores que há muito não se viam. A soma da idade do grupo é de quase dois séculos, uma experiência a ser considerada. Como sempre, falamos de tudo. E como não poderia deixar de ser, o assunto empresa entrou na pauta. Entre diversas abordagens, analises e opiniões a respeito de como as empresas são dirigidas, aquela na qual mais nos detivemos foi a da competência profissional.


Mas o que é ser competente? Ao longo do tempo esta palavra ganhou outros prismas. Outrora, o sujeito competente era funcionário que cumpria a contento suas funções. Um pouco mais adiante, o competente passou a ser a pessoa possuidora de “um algo a mais”. Recentemente, o competente passou a ser aquele que detém alto grau de instrução, um diploma de faculdade, por exemplo, pois imaginava se que diplomas eram diferenciais capazes de trazer resultados. O que dizer de hoje, uma vez que grande maioria dos profissionais tem mais de um diploma? Alguns com MBA, Pós-graduações e Mestrados. Começa a se tornar comum gente com doutorado! Diante deste novo quadro, podemos dizer que agora as empresas terão a tão almejada competência em seus quadros funcionais! Será verdade? Ou não?


Muito já se falou sobre o que é ser competente e também das características básicas que definem esse tipo de pessoa; as mais conhecidas são: saber se relacionar, capacidade de trabalhar em equipe, liderança, ser empreendedor , ser focado, traçar objetivos, assumir riscos, etc. Eu poderia escrever páginas descrevendo outras características do profissional competente. Por ora, vale-me apenas dizer que competente é a pessoa que alia seu conhecimento a sua capacidade de transformar as coisas, incansável na busca do próprio aprimoramento. 


Baseado em minha experiência, gostaria de submeter ao leitor a seguinte visão: o competente é desejado por todos, isto é certo, porém quando o encontram tratam de matá-lo e logo! Por que agem dessa maneira? Porque o competente incomoda. Ele, por sua natureza, seguirá seu curso, que é ir em frente abrindo caminhos, desnudando a estrutura ao seu redor. Desta forma, irá expor seus pares, colocará a chefia em cheque, pois está acostumada a trabalhar a muito tempo desta ou daquela forma. É incontestável que, por essência, o ser humano tenda a se acomodar, razão pela qual as empresas priorizam a contratação de profissionais mais jovens. Acreditam, erroneamente, que os jovens, em função do vigor da idade, terão uma atitude mais firme.


Hoje, devido à globalização, as empresas tem urgência de resultados e de se ajustarem às mudanças, pois atuam em ambientes adversos e voláteis, exatamente onde o “competente” faz a diferença, pois ele não é motivado no resultado pelo resultado, mas, sim, pela paixão, pela necessidade de dar vazão à força criativa de sua personalidade, e que o movimenta.


Como dizia um velho amigo, o vagabundo nasce e assim segue pela vida não importa à idade de tenha, assim é com o preguiçoso, o folgado e tantos outros. Aplicando este conceito, posso concluir que as pessoas são o que são, pois cada qual tem a sua índole, e nada mudará o que elas são. Por isto, o competente não irá ficar muito tempo numa empresa e foi a partir deste raciocínio, desta análise, que nasceu o nosso “herói” o FICANTE. 


Que figura é essa? É a do profissional que tratou de seguir a vida de forma cautelosa, correndo poucos riscos, “cumprindo tabela” no jogo empresarial. Quando uso a expressão “jogo empresarial”, faço com a convicção de bater no âmago da questão, de desnudá-la, de pô-la a descoberto, de tirar-lhe, sem dó nem piedade, a aura mentirosa e dissimulada de “profissionalismo” criada em torno das organizações. As empresas são formadas por pessoas, que são suscetíveis, por mais que digam o contrario, a toda sorte de sentimentos.


A maioria dos chefes jamais irá promover um funcionário que o desafiar, que afrontar ideias suas. O chefe que adentra na vida pessoal de seus funcionários irá protegê-los e não o fará por profissionalismo, mas sim como um ser humano comum que cria seu circulo social. Quando ouço ou leio entrevistas em que as pessoas afirmam de “boca cheia” que na minha empresa agimos de modo profissional, confesso sentir certo desconforto, pois sou refratário a esse tipo de comentário, sinto vontade de telefonar para o sujeito e dizer-lhe: se você quiser saber o quanto sua empresa é profissional, use um disfarce e se misture aos funcionários na “festinha” de fim de ano. Depois de umas boas doses de uísque, você irá ver os depoimentos sinceros dos funcionários a respeito do profissionalismo que você acredita ter em sua empresa.


A você, que está lendo esse artigo, cabe-me fazer a seguinte propositura: pare e pense por um minuto... Visualize os lugares onde já trabalhou e reflita: as pessoas que tinham postos de comando, realmente mereciam? Fez-se justiça nas nomeações e na condução dos planos de carreira? Todos eram tratados de modo profissional?


Agora voltemos ao nosso “herói” o FICANTE. Ele talvez não seja essa figura distorcida e enevoada que pintei, talvez seja apenas um SOBREVIVENTE, que, por desequilíbrio de análise, tenha passado incólume pelo crivo organizacional. Seja como for, ele acaba ganhando espaço na medida em que os “competentes” abandonam o barco atrás de outras oportunidades e ele, por sua natureza comedida, vai herdando posições, a despeito de eventualmente não as merecer. Isto acaba acontecendo porque ele age de acordo com as regras e a cartilha da empresa. Quando não, o FICANTE é um politico hábil que sabe manobrar pessoas tirando proveito das circunstancias. Muitos dirão: o que tem isto de errado? Tudo! Afinal falamos em resultados e não em relacionamentos? É nesse ponto que as coisas convergem e se confundem. Como me reportei acima, as empresas são formadas por pessoas que chegam munidas de crenças próprias, valores, credos e toda sorte se emoções. Não há como desassociá-las de suas vidas e características. 


OBS.: uma das três pessoas que estavam no encontro relatado no inicio deste artigo foi meu velho amigo e companheiro de consultoria, treinamento e muitos artigos criados em parceria, Daniel Strutenskey de Macedo. Ao sair ontem do encontro, eu avisei o grupo, em especial ao Daniel, que iria redigir um artigo a respeito do FICANTE e ele, imediatamente, completou o texto aplicando outras qualidades ao FICANTE. Fez dele um profissional na arte de ficar na empresa, completando-o da seguinte forma: 


O PROFISSIONAL FICANTE


Os moços agora ficam. Dão um tempo para a relação antes de assumir o namoro. Tempo em geral curto. Enquanto ficam, podem olhar outras pessoas e até ficar com elas nos intervalos. Trata-se de uma experiência sem compromisso, uma espécie de “degustação” de corpos e almas. 


O profissional ficante é figura de outro naipe, de outro baralho, melhor dito, pois é um empregado, tem propósitos completamente diferentes. Detesta experimentar o novo, não se arrisca, é um medroso, mas, apesar destes defeitos, usa de inteligência para ficar. É o cara que consegue um emprego na empresa e vai ficando, não importa o que aconteça. Não ousa, não inventa, não cria, não arrisca nada. Puxa o saco, segue as regras...


Não as segue porque as considere justas e boas, mas porque que é conveniente ficar ao lado dos que as fizeram, os chefes, os patrões, não importa o que eles tenham feito, façam ou venham a fazer. Esta é a primeira estratégia do profissional ficante: nunca se arriscar e concordar sempre com o chefe, principalmente se o chefe for orgulhoso, teimoso ou burro. A lógica é a seguinte: o chefe orgulhoso precisa de plateia, exige a aprovação de todos, isto é inconsciente, ele pode até ser uma pessoa muito inteligente, mas se for ferido em seu orgulho, você já era! O chefe teimoso nunca dá o braço a torcer, logo, não adianta discutir com ele. O burro é burro, dificilmente a sua opinião coincidirá com a dele, melhor fingir que concorda. 


A segunda estratégia é a de sondar as ideias da chefia para concordar com elas, dar o seu apoio moral. Note bem, apoio apenas moral, pois as opiniões são perigosas. Só apoia, não sugere nada, não se compromete. Quem sugere é responsável pela sugestão dada. O profissional ficante apenas se compromete com as ideias que vem de cima e toma o cuidado de que está executando “o que a chefia mandou”. Caso não dê nada certo, consola o chefe, mantém seu apoio moral: “é chefia, fizemos tudo que era possível, estou às suas ordens para o que der e vier, conte comigo”. O chefe frustrado se sente aliviado e agradece, às vezes até enternecido, ao profissional ficante, que com estas atitudes começa a ganhar a confiança pessoal e emotiva dos patrões. Atentem para esta sutileza: a confiança pessoal é emotiva, é mais forte e mais eloquente para carreira do que a confiança técnica e profissional.


A terceira estratégia é evitar confrontos diretos com os colegas da empresa e parceiros. O profissional ficante age na moita, não discute frontalmente ainda que se ache coberto e recoberto de razões. Explora as discussões respeitando os pontos de fervura. Ficou quente, recua. No momento oportuno, sutilmente, covardemente, entrega o colega. Aqueles que disputam os postos se esquentam, tomam partidos e se eliminam mutuamente. Veem que o ambiente ficou tenso e desfavorável e tratam de procurar oportunidades em outras empresas. Enquanto isto, ele vai ficando...


Algum tempo depois, a chefia se dá conta de que o profissional ficante é um funcionário estável, está há vários anos na empresa, conhece os costumes, as rotinas, nunca se coloca contra os superiores, e decide que pode contar com ele. Conhecer a empresa, a sua história e seus costumes é uma vantagem. Ser pessoa de confiança, uma vantagem imensa. Técnico, você contrata no mercado, pessoas que toleram situações adversas e chefes intoleráveis, não. Estas, só com o tempo e a convivência. E assim, devido à convivência de tolerância (fruto do medo da pessoa); da inexistência de problemas anteriores (a pessoa não ousou nada, não se arriscou) e da relação emocional de confiança (apoio moral à chefia), o profissional ficante é promovido.


Os psicólogos dizem que para existir o sádico é preciso que exista o masoquista. Um não funciona sem o outro. O profissional ficante, uma vez promovido, se espelhará no seu chefe, agirá de modo semelhante, escolherá um subalterno ficante para usufruir uma relação sado-masoquista-ficante. Resumo da ópera: a maioria das empresas, clubes e associações acabam dirigidas por quem foi ficando e uma minoria é dirigida por pessoas de personalidade criativa.


As empresas que se nutrem da relação “sádico-masoquista-ficante” sobrevivem fazendo quase as mesmas coisas e fecham quando as condições de mercado mudam e a concorrência aperta. Observe! Preste atenção na história das empresas! Excluindo as que tiveram falta de capital, pois o dinheiro é um recurso muito caro no Brasil, elas fecharam porque lhes faltou ousadia e criatividade, não foram capazes de desenvolver novos produtos e serviços, foram apenas ficando, os donos cuidaram mais de seus bens pessoais. Quanto tempo a sua empresa ficará no mercado?


O que é personalidade criativa? É a personalidade que reúne estas qualidades: curiosidade (espírito de criança); flexibilidade (disposição de rever); ousadia (gostar de riscos, empreender); originalidade (ideias raras e relevantes); senso de humor; tolerância (aceitar o diferente, ruptura, empatia); visão descondicionada (duvidar, praticar a oposição e o ceticismo); autoestima (confiança, aceitação de sua diferenciação, segurança); fluência, rapidez mental; capacidade de realizar, perseverar, passar aos fatos.


Sem duvida meu amigo Daniel deu um rosto ao FICANTE, criou-lhe a personalidade, o "modus operandi", suas características, enfim deu-lhe vida. Tudo foi meticulosamente colocado a fim de trazer a luz dos leitores esse tipo de figura que se esgueira pelos cantos das empresas.


Como sempre, gosto de afirmar que este texto não se propõe a criar verdades, nem tampouco desenhar um tratado sobre conduta empresarial, a ideia principal é simplesmente levar o leitor a refletir sobre um ângulo diferente a fim de ou entretê-lo ou de fazê-lo meditar. Só isso nada mais...

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